Jornalista Paulo Ramos diz que visão sobre as histórias em quadrinhos está mudando, mas que jornalismo especializado ainda passa por dificuldades
Nos últimos anos, as histórias em quadrinhos (HQs) tem passado por um processo de aceitação como meio de comunicação capaz de produzir conteúdos de qualidade e relevância artística. Em meio a este processo, está o crescente mercado de quadrinhos em livrarias e o aumento do número de pesquisas acadêmicas sobre o tema. O jornalista, professor e pesquisador Paulo Ramos é uma testemunha privilegiada desse processo.
Co-autor de "Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula", publicado pela Editora Contexto, Ramos é professor de jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo e integra o Observatório das Histórias em Quadrinhos na USP. Também é consultor de língua portuguesa da Folha de São Paulo e do UOL, onde mantém o Blog dos Quadrinhos. Na entrevista a seguir, Ramos fala sobre o mercado brasileiro de HQs, a função dos estudos acadêmicos sobre elas e como é fazer jornalismo especializado em quadrinhos no Brasil.
Você acha que a transição das HQs das bancas para as livrarias tem sido boa ou ruim para o mercado brasileiro?
Não sei se podemos rotular esse comportamento de "bom ou ruim". Ele simplesmente está acontecendo, a exemplo do que já se vê na França, por exemplo. O que se pode perceber é que as livrarias encontraram um novo nicho de mercado, o leitor adulto com maior poder aquisitivo e que efetivamente compra quadrinhos. O crescimento do setor, nos últimos anos, foi de 30%. E as editoras acompanham essa tendência.
Existe uma diferença entre o mercado brasileiro de quadrinhos e o mercado de quadrinhos brasileiros. Como você vê o momento de cada um?
Historicamente, os quadrinhos -e, conseqüentemente, seu mercado- foram vistos à margem do meio editorial. Prova disso é a quase nulidade de estudos e levantamento a respeito. Tinha-se a visão de que quadrinhos são coisa de criança e que são vendidos em banca. A ida às livrarias, nicho dominado pelos chamados "formadores de opinião", mudou um pouco essa visão. É esse o momento que vivemos hoje no país.
Na sua opinião, porque temos dificuldade de criar quadrinhos com uma identidade nacional, invés de copiar escolas estrangeiras?
Discordo. Houve uma época em que os desenhistas faziam, sim, cópias dos quadrinhos norte-americanos de super-heróis. Hoje, ainda se vê muita reprodução do estilo dos mangas [nome dado ao quadrinho japonês]. Mas se vê mais autores com estilo pessoal, muito por causa do fortalecimento do movimento independente e da abertura de espaço em algumas editoras. Nosso humor, e isso não é de hoje, tem cara própria e é um dos melhores do mundo.
Você é professor e desenvolve pesquisas sobre quadrinhos. Como a academia enxerga as HQS hoje?
A visão da academia, pelo que percebo, tem mudado. Tanto que aumentou significativamente o número de pesquisas sobre o tema. Esse comportamento é recente. Muitos desses pesquisadores dizem ter sentido um pouco de preconceito ou de inferiorização do tema abordado. Mas, aos poucos, parece estar mudando.
Por que é importante a universidade estudar quadrinhos?
Cada área encontra respostas e aprofundamento por meio dos estudos acadêmicos, desde novelas às novas pesquisas sobre células tronco. Abordar quadrinhos em pesquisas científicas ajuda a compreender o fenômeno, que existe há mais de um século. Automaticamente, esses estudos agregam autoridade ao objeto analisado, no caso os quadrinhos. É o que faltou nas últimas décadas no Brasil, muito por puro preconceito ou desconhecimento sobre a área.
O aumento do número de pesquisas também tem se traduzido em um aumento de qualidade e diversidade das mesmas?
Tenho participado de algumas bancas de mestrado e de doutorado. Neste ano, fui a duas e, neste mês, a uma terceira. Percebo nos estudos a mesma seriedade que vejo em outras pesquisas a que tenho acesso.
Apesar da maior atenção da grande mídia com o tema, o jornalismo especializado em quadrinhos ainda é insipiente no Brasil. Por que?
Acredito que seja uma conseqüência histórica de os quadrinhos terem sido colocados à margem dos fenômenos de comunicação de massa. O boom de estudos é recente, embora tenhamos pesquisas pioneiras na década de 1970. O jornalista fica à margem dos interesses da mídia, que não demonstrava tanta atenção aos quadrinhos. Muitos profissionais até se sujeitavam - e se sujeitam ainda - a trabalhar de graça, por puro amor à área. Com isso, tinham de exercer outras atividades para sobreviver. Uma hora, a pessoa cansa.
Quais são as diferenças entre o jornalismo especializado em HQs e o jornalismo em geral?
No meu entender, nenhuma. Notícia é notícia, apuração é apuração. O que deve haver, no entanto, como em tantas outras áreas, é uma especialização no assunto abordado, seja quadrinhos, seja automóveis, seja culinária, seja cinema, seja política.
Quais são as maiores dificuldades que você encontra na produção de jornalismo sobre quadrinhos?
O que vejo é que muitos dos colegas trabalham sem receber. Isso ainda é o principal impeditivo da área, somado à visão de que quadrinhos não são um assunto tão sério assim.
Você comanda o Blog dos Quadrinhos, no UOL. Qual é a importância dos blogs para o jornalismo atual?
Não creio que sejam especificamente os blogs, mas a internet em si. As principais informações sobre quadrinhos hoje na imprensa em geral estão na internet. As demais mídias informam esporadicamente e, salvo alguns casos, com notícias velhas. Para se informar bem sobre o assunto, hoje, só com a internet.
Ainda é importante um blog estar vinculado a um jornal ou revista de renome?
Na minha interpretação, sim. Porque agrega a credibilidade do veículo à página virtual. Isso amplia o número de leitores e atinge as pessoas que gostam pouco ou simplesmente desconhecem quadrinhos. Chegar a esse público ajuda a reduzir a resistência sobre o tema, inclusive jornalisticamente. É um dos desafios que enfrento diariamente no Blog dos Quadrinhos, que tem conseguido alcançar essas pessoas.
Nos últimos anos, as histórias em quadrinhos (HQs) tem passado por um processo de aceitação como meio de comunicação capaz de produzir conteúdos de qualidade e relevância artística. Em meio a este processo, está o crescente mercado de quadrinhos em livrarias e o aumento do número de pesquisas acadêmicas sobre o tema. O jornalista, professor e pesquisador Paulo Ramos é uma testemunha privilegiada desse processo.
Co-autor de "Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula", publicado pela Editora Contexto, Ramos é professor de jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo e integra o Observatório das Histórias em Quadrinhos na USP. Também é consultor de língua portuguesa da Folha de São Paulo e do UOL, onde mantém o Blog dos Quadrinhos. Na entrevista a seguir, Ramos fala sobre o mercado brasileiro de HQs, a função dos estudos acadêmicos sobre elas e como é fazer jornalismo especializado em quadrinhos no Brasil.
Você acha que a transição das HQs das bancas para as livrarias tem sido boa ou ruim para o mercado brasileiro?
Não sei se podemos rotular esse comportamento de "bom ou ruim". Ele simplesmente está acontecendo, a exemplo do que já se vê na França, por exemplo. O que se pode perceber é que as livrarias encontraram um novo nicho de mercado, o leitor adulto com maior poder aquisitivo e que efetivamente compra quadrinhos. O crescimento do setor, nos últimos anos, foi de 30%. E as editoras acompanham essa tendência.
Existe uma diferença entre o mercado brasileiro de quadrinhos e o mercado de quadrinhos brasileiros. Como você vê o momento de cada um?
Historicamente, os quadrinhos -e, conseqüentemente, seu mercado- foram vistos à margem do meio editorial. Prova disso é a quase nulidade de estudos e levantamento a respeito. Tinha-se a visão de que quadrinhos são coisa de criança e que são vendidos em banca. A ida às livrarias, nicho dominado pelos chamados "formadores de opinião", mudou um pouco essa visão. É esse o momento que vivemos hoje no país.
Na sua opinião, porque temos dificuldade de criar quadrinhos com uma identidade nacional, invés de copiar escolas estrangeiras?
Discordo. Houve uma época em que os desenhistas faziam, sim, cópias dos quadrinhos norte-americanos de super-heróis. Hoje, ainda se vê muita reprodução do estilo dos mangas [nome dado ao quadrinho japonês]. Mas se vê mais autores com estilo pessoal, muito por causa do fortalecimento do movimento independente e da abertura de espaço em algumas editoras. Nosso humor, e isso não é de hoje, tem cara própria e é um dos melhores do mundo.
Você é professor e desenvolve pesquisas sobre quadrinhos. Como a academia enxerga as HQS hoje?
A visão da academia, pelo que percebo, tem mudado. Tanto que aumentou significativamente o número de pesquisas sobre o tema. Esse comportamento é recente. Muitos desses pesquisadores dizem ter sentido um pouco de preconceito ou de inferiorização do tema abordado. Mas, aos poucos, parece estar mudando.
Por que é importante a universidade estudar quadrinhos?
Cada área encontra respostas e aprofundamento por meio dos estudos acadêmicos, desde novelas às novas pesquisas sobre células tronco. Abordar quadrinhos em pesquisas científicas ajuda a compreender o fenômeno, que existe há mais de um século. Automaticamente, esses estudos agregam autoridade ao objeto analisado, no caso os quadrinhos. É o que faltou nas últimas décadas no Brasil, muito por puro preconceito ou desconhecimento sobre a área.
O aumento do número de pesquisas também tem se traduzido em um aumento de qualidade e diversidade das mesmas?
Tenho participado de algumas bancas de mestrado e de doutorado. Neste ano, fui a duas e, neste mês, a uma terceira. Percebo nos estudos a mesma seriedade que vejo em outras pesquisas a que tenho acesso.
Apesar da maior atenção da grande mídia com o tema, o jornalismo especializado em quadrinhos ainda é insipiente no Brasil. Por que?
Acredito que seja uma conseqüência histórica de os quadrinhos terem sido colocados à margem dos fenômenos de comunicação de massa. O boom de estudos é recente, embora tenhamos pesquisas pioneiras na década de 1970. O jornalista fica à margem dos interesses da mídia, que não demonstrava tanta atenção aos quadrinhos. Muitos profissionais até se sujeitavam - e se sujeitam ainda - a trabalhar de graça, por puro amor à área. Com isso, tinham de exercer outras atividades para sobreviver. Uma hora, a pessoa cansa.
Quais são as diferenças entre o jornalismo especializado em HQs e o jornalismo em geral?
No meu entender, nenhuma. Notícia é notícia, apuração é apuração. O que deve haver, no entanto, como em tantas outras áreas, é uma especialização no assunto abordado, seja quadrinhos, seja automóveis, seja culinária, seja cinema, seja política.
Quais são as maiores dificuldades que você encontra na produção de jornalismo sobre quadrinhos?
O que vejo é que muitos dos colegas trabalham sem receber. Isso ainda é o principal impeditivo da área, somado à visão de que quadrinhos não são um assunto tão sério assim.
Você comanda o Blog dos Quadrinhos, no UOL. Qual é a importância dos blogs para o jornalismo atual?
Não creio que sejam especificamente os blogs, mas a internet em si. As principais informações sobre quadrinhos hoje na imprensa em geral estão na internet. As demais mídias informam esporadicamente e, salvo alguns casos, com notícias velhas. Para se informar bem sobre o assunto, hoje, só com a internet.
Ainda é importante um blog estar vinculado a um jornal ou revista de renome?
Na minha interpretação, sim. Porque agrega a credibilidade do veículo à página virtual. Isso amplia o número de leitores e atinge as pessoas que gostam pouco ou simplesmente desconhecem quadrinhos. Chegar a esse público ajuda a reduzir a resistência sobre o tema, inclusive jornalisticamente. É um dos desafios que enfrento diariamente no Blog dos Quadrinhos, que tem conseguido alcançar essas pessoas.