domingo, 23 de março de 2008

Urbanização incompleta na Asa Norte



Carência de mobiliário e equipamentos urbanos em quadras do bairro prejudica moradores.


Apesar do alto padrão de vida no Plano Piloto, várias superquadras da Asa Norte se encontram em situação precária, com a urbanização ainda incompleta. É comum andar por quadras construídas recentemente e se deparar com a falta de grama, árvores, calçadas, lixeiras, orelhões e outros equipamentos urbanos, o que prejudica moradores e pedestres. A falta de planejamento e articulação entre os órgãos governamentais faz com que a solução ainda permaneça distante.

Em seu projeto para Brasília, Lúcio Costa propôs um novo modelo para a criação e utilização dos espaços públicos. Com prédios suspensos em pilotis e altura máxima de seis pavimentos, o projeto das superquadras tem a intenção de estimular a livre circulação de pessoas aumentando o convívio entre os moradores e criando maior integração da comunidade. Por isso, além dos jardins e calçadas, estão previstos nos projetos urbanísticos quadras poliesportivas, parques infantis, escolas e bancas de jornal. Nas entrequadras deveriam ser construídos clubes, igrejas e cinemas.

“A idéia era proporcionar à população das superquadras acesso rápido a serviços e comércio sem precisar se deslocar pela cidade”, diz Maurício Goulart, Gerente de Desenvolvimento da Área Central da Subsecretaria de Planejamento Urbano do Governo do Distrito Federal (GDF). “A implantação do projeto faria com que a comunidade freqüentasse mais as áreas de uso comum, o que também aumentaria a sensação de segurança dos moradores”.

Esse projeto só foi implantado em sua totalidade nas primeiras superquadras de Brasília, mas a situação é critica naquelas construídas nos últimos anos. Áreas que pertenciam à UnB, como a 109, 110, 213 e 214 têm grande carência de mobiliário e equipamentos urbanos. Árvores, calcadas e lixeiras raramente são vistas, enquanto a iluminação cobre as pistas, mas os locais de circulação de pedestres ficam no escuro. Nenhuma das quadras tem banca de jornal, e as faixas de pedestres, passarelas subterrâneas e pontos de ônibus ficam ilhados por mato, terra e, com alguma sorte, grama.

A Administração Regional de Brasília alega que está realizando um trabalho de recuperação e construção de calçadas em todas as quadras do Plano Piloto. “O governo quer melhorar a cidade e trazer qualidade de vida para os moradores. Por isso, a Administração tem trabalhado constantemente para trazer benfeitorias”, afirma o Administrador de Brasília, Ricardo Pires. Ainda segundo a Administração, em 2007 foram construídos e recuperados mais de dois mil m² de calçadas na cidade.

Segundo Vera Lúcia Ramos, que ocupava o cargo de Diretora de Urbanismo e Projetos na Administração de Brasília até a semana passada, a urbanização das superquadras era feita automaticamente, assim que os primeiros prédios residenciais começavam a ser construídos, mas isso começou a mudar há cerca de 20 anos. “A desculpa é sempre falta de verbas”, diz a ex-diretora, que também culpa a falta de planejamento, comunicação e articulação entre os órgãos do governo. “Os projetos urbanísticos das superquadras estão todos aprovados e o governo pode implementar a infra-estrutura quando quiser, mesmo antes ou durante a construção dos edifícios”, acrescenta ainda.

Maurício Goulart diz que atualmente, “a conclusão das superquadras do Plano Piloto é muito mais interessante para a iniciativa privada, diferentemente do passado, quando o governo investia como forma de estimular a efetiva ocupação da nova capital”. Apesar disso, áreas antigas como a 210 e 211 até hoje não têm o chamado emolduramento, com as calçadas largas e faixa arborizada demarcando os limites da quadra em seus quatro lados. A 309, conhecida pelo bom comércio e alto poder aquisitivo de seus moradores, nem sequer tem espaço para tal implantação.

Mauricio Goulart diz ainda que é impossível prever quando a urbanização dessas quadras será completada. “A implantação dos equipamentos de uso da comunidade tende a ser cada vez mais lenta, seja pela baixa demanda da população por escolas públicas, por exemplo, seja pela perda de capacidade de investimento em obras por parte do governo”. Segundo ele, o importante é que a conclusão se dê de acordo com o plano de Lúcio Costa.

Entretanto, outras questões colaboram para a situação. Vera Lúcia explica que o processo de licitação para a compra de grama, mudas, e outros materiais é lento e engessa o trabalho da Novacap, o órgão responsável pela implantação de infra-estrutura nas superquadras. “O local de destinação de cada metro quadrado da grama comprada é definido no contrato e não pode ser alterado”, diz. “Além disso, os moradores das quadras construídas recentemente mostram resistência ao plantio de árvores que fazem sombra, por exemplo. Eles não querem que elas escondam a fachada dos prédios”.

Especificamente sobre a situação da 214, onde reside, Vera Lúcia disse que a quadra já está completa, com todos os prédios construídos, mas só recentemente foram plantadas mudas de árvores. “A calçada externa só está saindo do papel por que os síndicos dos blocos fizeram um acordo com a Administração Regional e estão pagando pela mão de obra”, disse a ex-diretora. Coincidentemente ou não, a 214 é a única das quadras citadas que conta com uma prefeitura comunitária.

Mauricio Goulart explica que a população reclama muito do abandono das áreas públicas e dos equipamentos esportivos, mas não se importa com a ausência de escolas públicas ou da faixa verde, provavelmente por desinformação. Vera Lúcia acredita que essa situação fere o tombamento da cidade, pois descaracteriza o Conjunto Urbanístico e Paisagístico de Brasília. Segundo ela, os moradores com reclamações e sugestões devem sempre se dirigir à Administração Regional. Já Mauricio Goulart sugere que se procure a Ouvidoria do GDF, que encaminha as reclamações aos órgãos encarregados.

Serviço:
A população pode entrar em contato com a Administração de Brasília pelo telefone 33275130, ou levar suas reivindicações por escrito ao Setor Bancário Norte, quadra 2, Bloco K. Já a Ouvidoria do GDF pode ser contactada pelo site www.df.gov.br, ou pelo telefone 156.

domingo, 16 de março de 2008

O dilema dos embriões

Julgamento sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas divide até mesmo os cientistas

O julgamento da ação contra pesquisas com células-tronco embrionárias humanas no Supremo Tribunal Federal (STF), que aconteceria na última quarta-feira, foi adiado. O ministro católico Carlos Alberto Menezes Direito pediu vista do processo, adiando por tempo indeterminado o julgamento, que tramita no tribunal desde 2005. Ellen Gracie, presidente do STF, lembrou que a demora na decisão desestimula as pesquisas na área. Em meio à briga entre religiosos e cientistas, estão a população e as próprias pesquisas.

Professora do Departamento de Serviço Social da UnB e especialista em bioética, Débora Diniz diz que o adiamento não atrapalha muito, uma vez que as pesquisas continuam sendo realizadas enquanto o julgamento não acontece. No entanto, acrescentou que os cientistas brasileiros fazem acordos com instituições e patrocinadores do exterior e eles não querem investir em algo que pode mudar amanhã.

Lenise Garcia, professora especialista em microbiologia do Departamento de Biologia Celular da UnB, também acha que a medida protelatória do ministro não atrapalha as pesquisas. “O Brasil está querendo entrar em um campo de pesquisa do qual os outros países estão saindo”, diz Lenise. A professora se refere às pesquisas com as chamadas células pluripotentes induzidas, células-tronco adultas, cuja pesquisa internacional avançou nos últimos meses.

“Essas células podem ser retiradas do próprio paciente, o que evita problemas como a rejeição pelo organismo”, explica a professora, que diz ainda que até hoje não foram realizados testes em humanos com células-tronco embrionárias por estas serem potenciais geradoras de câncer, problema inexistente no caso das células pluripotentes induzidas. Mas sua colega discorda e explica que ciência é feita de hipóteses, que após testadas se transformam em resultados. “Estão confundindo hipóteses com resultados. Não é possível dizer antes da realização de testes quais são os resultados das pesquisas”.

A defesa das pesquisas com células-tronco adultas é comum entre cientistas ligados à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e vem sendo adotada desde a audiência pública realizada ano passado no STF. Na mesma ocasião, a maioria dos cientistas defendeu que o potencial das pesquisas com células-tronco embrionárias é maior do que com as adultas.

As discordâncias não se restringem ao potencial cancerígeno das células-tronco embrionárias. Lenise defende que a utilização de embriões humanos para pesquisas não é eticamente adequada. “Realizar essas pesquisas é interromper o desenvolvimento de um ser humano, e abrir mão de direitos de toda espécie humana”. Diniz discorda e defende as pesquisas com embriões humanos. “A discussão sobre o início da vida é apenas uma armadilha, pois a Lei de Biossegurança restringe a pesquisa a embriões sem potencialidade de vida”.

Diniz se refere ao artigo 5º da lei, que restringe o material das pesquisas apenas a embriões remanescentes de tratamentos para fertilidade. De acordo com o artigo, só podem ser utilizados em pesquisas embriões cedidos pelos “pais” e que tenham sido considerados inviáveis ou maus candidatos a uma gravidez, por estarem congelados há mais de três anos. No entanto, Lenise Garcia discorda da lei. “É só olhar o caso do menino Vinicius que nasceu após 8 anos congelado. É o recorde brasileiro, o mundial é de uma americaninha nasceu após 13 anos de congelamento”.

Em meio à discussão, o STF tenta se manter distante das considerações religiosas. A função do tribunal é julgar a constitucionalidade das matérias e segundo Débora Diniz isso vem acontecendo. “A ação contra as pesquisas foi fundamentada na constituição e o voto da maioria dos ministros indica que não há problemas legais nas pesquisas, que elas são legitimas”, explica.

O que a maioria dos especialistas concorda é que tratamentos médicos resultantes dessas pesquisas ainda estão distantes. A professora Lenise Garcia vai além e diz que as pesquisas com células embrionárias talvez nunca resultem em tratamentos de terapia celular. “O foco agora são as células pluripotentes induzidas, cuja pesquisa avançou mais nos últimos meses do que as pesquisas com células embrionárias avançaram nos últimos 20 anos”, defende a especialista.