Tirinhas em prova da professora Maria da Penha
Nos últimos anos, as histórias em quadrinhos (HQs) têm ganhado espaço na mídia e respeito dos formadores de opinião. Agora elas estão entrando nas salas de aula. Se a inclusão de livros em quadrinhos no Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), do MEC, está levando as HQs para as escolas públicas de todo o país, livros como “Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula” estão tentando ajudar os professores a usá-las melhor em suas aulas e provas.
“Como Usar...” foi lançado em 2004 pela Editora Contexto como parte de uma coleção que também inclui outras mídias, como cinema, música e jornais. O livro conta com artigos de vários pesquisadores que são ou já passaram pelo Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos, da USP. Coordenador do Núcleo e organizador da coletânea, o professor Waldomiro Vergueiro explica que o livro foi pensado para professores de 1º e 2º grau que têm vontade de usar HQs em suas aulas.
“A maior dificuldade na implantação das HQs em sala de aula é que os professores não sabem como usá-las”, explica Vergueiro. “O livro os ajuda a encontrar soluções, dá dicas e faz propostas de uso para áreas como língua portuguesa, artes, história e geografia”, complementa.
No entanto, nem todos os professores precisam dessa ajuda. Maria da Penha Amancio, professora de gramática do colégio Leonardo da Vinci, de ensino médio, diz que usa freqüentemente HQs em suas aulas e provas há pelo menos cinco anos, quando as provas do colégio em que trabalha passaram a ser contextualizadas e voltadas para o dia-a-dia dos alunos. “É um recurso interessante, moderno e de fácil compreensão. E também tem seu lado lúdico. Dá uma quebrada na seriedade das provas”, diz a professora.
Maria da Penha conta também que tem todo apoio da escola. “Está dentro do conteúdo, então não tem como a escola dizer que não pode. É só uma forma diferente de cobrar a matéria”, defende. Ela explica ainda que a língua portuguesa tem conteúdos específicos de oralidade e níveis de fala em que os quadrinhos se aplicam muito bem. “As tirinhas trazem o falar do dia-a-dia”.
A professora utiliza principalmente tiras de jornal – como Mafalda, Calvin e Haroldo e Hagar - e charges em suas aulas, mas Vergueiro diz que esse não é o tipo de HQs mais utilizados nas escolas. Segundo ele, graphic novels – como Maus, de Art Spiegelman e Palestina, de Joe Sacco – são muito utilizados. Ambas as obras falam sobre guerras e podem ser facilmente utilizadas em aulas de história e geografia. “Os quadrinhos infantis também são muito usados, pela maior acessibilidade e pelo baixo custo das revistas”, complementa o professor.
Mas Vergueiro defende que HQs de qualquer gênero podem ser usadas em sala de aula. “As história de terror são boas para aulas de artes, para falar de luz e sombra, por exemplo”, argumenta. Por isso, uma continuação de “Como Usar...” já está sendo preparada. O segundo volume será focado exatamente nos gêneros de quadrinhos. “Haverá um capitulo para adaptações literárias e outro para biografias em quadrinhos”, explica o professor. O livro deve ficar pronto em agosto.
Programa Nacional Biblioteca da Escola
O segundo volume de “Como Usar...” também deve ajudar os professores a utilizar os livros que estão chegando às bibliotecas das escolas através do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), do MEC. “Seria um desperdício os livros ficarem nas bibliotecas apenas para quem se interessar. A leitura [dos livros] é importante, mas eles devem também ser usados nas salas de aula”, defende Vergueiro.
A lista do PNBE de 2008 inclui livros como “Santô e os pais da aviação”, do autor brasileiro Spacca, “Dom Quixote em quadrinhos”, do também brasileiro Caco Galhardo e “Na Prisão”, autobiografia do japonês Kazuichi Hanawa. Lima Neto, artista e organizador do Festival de Quadrinhos da loja Fnac de Brasília, diz que a lista foi pensada para complementar o conteúdo escolar. “A escolha do material não foi feita para discutir quadrinhos, mas para ter um conteúdo didático”, explica.
O artista acha boa a inclusão de livros em quadrinhos na lista de livros para as bibliotecas escolares por vários motivos. Segundo ele, as HQs funcionam como uma ponte para a literatura, mas não podem ser encaradas apenas assim. “A construção da narrativa através da linguagem gráfica e da retórica da imagem é interessante. [A leitura de narrativas gráficas] pode ser uma habilidade interessante de se estimular”, defende.
Waldomiro Vergueiro concorda. “A maior parte das informações hoje vem de forma gráfica, e as HQs trabalham essencialmente com leitura visual. Vivemos em uma sociedade visual”, diz. Mas Lima Neto chama atenção para a dificuldade dos professores em explorar esse potencial. “Não adianta colocar HQs nas bibliotecas se os professores não souberem como usá-las”,argumenta.
O artista diz ainda que a maioria dos professores estão despreparados para lidar com quadrinhos. “Você tem que ir trazendo as HQs para o meio acadêmico aos poucos, para depois usa-las de maneira efetiva”, defende. Mas apesar das dificuldades, os alunos parecem gostar da iniciativa. “Nunca ouvi ninguém reclamar das tiras”, diz Maria da Penha.