sábado, 14 de junho de 2008

Quadrinhos invadem as salas de aula

Programa do MEC e livro para professores estimulam o uso de HQs na educação


Tirinhas em prova da professora Maria da Penha


Nos últimos anos, as histórias em quadrinhos (HQs) têm ganhado espaço na mídia e respeito dos formadores de opinião. Agora elas estão entrando nas salas de aula. Se a inclusão de livros em quadrinhos no Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), do MEC, está levando as HQs para as escolas públicas de todo o país, livros como “Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula” estão tentando ajudar os professores a usá-las melhor em suas aulas e provas.

“Como Usar...” foi lançado em 2004 pela Editora Contexto como parte de uma coleção que também inclui outras mídias, como cinema, música e jornais. O livro conta com artigos de vários pesquisadores que são ou já passaram pelo Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos, da USP. Coordenador do Núcleo e organizador da coletânea, o professor Waldomiro Vergueiro explica que o livro foi pensado para professores de 1º e 2º grau que têm vontade de usar HQs em suas aulas.

“A maior dificuldade na implantação das HQs em sala de aula é que os professores não sabem como usá-las”, explica Vergueiro. “O livro os ajuda a encontrar soluções, dá dicas e faz propostas de uso para áreas como língua portuguesa, artes, história e geografia”, complementa.

No entanto, nem todos os professores precisam dessa ajuda. Maria da Penha Amancio, professora de gramática do colégio Leonardo da Vinci, de ensino médio, diz que usa freqüentemente HQs em suas aulas e provas há pelo menos cinco anos, quando as provas do colégio em que trabalha passaram a ser contextualizadas e voltadas para o dia-a-dia dos alunos. “É um recurso interessante, moderno e de fácil compreensão. E também tem seu lado lúdico. Dá uma quebrada na seriedade das provas”, diz a professora.

Maria da Penha conta também que tem todo apoio da escola. “Está dentro do conteúdo, então não tem como a escola dizer que não pode. É só uma forma diferente de cobrar a matéria”, defende. Ela explica ainda que a língua portuguesa tem conteúdos específicos de oralidade e níveis de fala em que os quadrinhos se aplicam muito bem. “As tirinhas trazem o falar do dia-a-dia”.

A professora utiliza principalmente tiras de jornal – como Mafalda, Calvin e Haroldo e Hagar - e charges em suas aulas, mas Vergueiro diz que esse não é o tipo de HQs mais utilizados nas escolas. Segundo ele, graphic novels – como Maus, de Art Spiegelman e Palestina, de Joe Sacco – são muito utilizados. Ambas as obras falam sobre guerras e podem ser facilmente utilizadas em aulas de história e geografia. “Os quadrinhos infantis também são muito usados, pela maior acessibilidade e pelo baixo custo das revistas”, complementa o professor.

Mas Vergueiro defende que HQs de qualquer gênero podem ser usadas em sala de aula. “As história de terror são boas para aulas de artes, para falar de luz e sombra, por exemplo”, argumenta. Por isso, uma continuação de “Como Usar...” já está sendo preparada. O segundo volume será focado exatamente nos gêneros de quadrinhos. “Haverá um capitulo para adaptações literárias e outro para biografias em quadrinhos”, explica o professor. O livro deve ficar pronto em agosto.

Programa Nacional Biblioteca da Escola

O segundo volume de “Como Usar...” também deve ajudar os professores a utilizar os livros que estão chegando às bibliotecas das escolas através do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), do MEC. “Seria um desperdício os livros ficarem nas bibliotecas apenas para quem se interessar. A leitura [dos livros] é importante, mas eles devem também ser usados nas salas de aula”, defende Vergueiro.

A lista do PNBE de 2008 inclui livros como “Santô e os pais da aviação”, do autor brasileiro Spacca, “Dom Quixote em quadrinhos”, do também brasileiro Caco Galhardo e “Na Prisão”, autobiografia do japonês Kazuichi Hanawa. Lima Neto, artista e organizador do Festival de Quadrinhos da loja Fnac de Brasília, diz que a lista foi pensada para complementar o conteúdo escolar. “A escolha do material não foi feita para discutir quadrinhos, mas para ter um conteúdo didático”, explica.

O artista acha boa a inclusão de livros em quadrinhos na lista de livros para as bibliotecas escolares por vários motivos. Segundo ele, as HQs funcionam como uma ponte para a literatura, mas não podem ser encaradas apenas assim. “A construção da narrativa através da linguagem gráfica e da retórica da imagem é interessante. [A leitura de narrativas gráficas] pode ser uma habilidade interessante de se estimular”, defende.

Waldomiro Vergueiro concorda. “A maior parte das informações hoje vem de forma gráfica, e as HQs trabalham essencialmente com leitura visual. Vivemos em uma sociedade visual”, diz. Mas Lima Neto chama atenção para a dificuldade dos professores em explorar esse potencial. “Não adianta colocar HQs nas bibliotecas se os professores não souberem como usá-las”,argumenta.

O artista diz ainda que a maioria dos professores estão despreparados para lidar com quadrinhos. “Você tem que ir trazendo as HQs para o meio acadêmico aos poucos, para depois usa-las de maneira efetiva”, defende. Mas apesar das dificuldades, os alunos parecem gostar da iniciativa. “Nunca ouvi ninguém reclamar das tiras”, diz Maria da Penha.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Brasília na tela


Professor de Cinema no IESB, Mauro Giuntini colhe os frutos de seu primeiro longa-metragem


O brasiliense Mauro Giuntini Viana é diretor de cinema e professor do segundo semestre de Cinema e Mídias Digitais no IESB, onde ministra uma matéria chamada Cinema Brasileiro. Já dirigiu filmes publicitários, documentários, curta-metragens e, em novembro de 2007, exibiu no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro seu primeiro longa-metragem, Simples Mortais. Professor há dez anos, Giuntini já deu aulas na UnB, e atualmente também trabalha na Universidade Católica de Brasília.

O diretor nunca teve planos de se tornar professor. “Foi meio que uma surpresa”, diz. No entanto, Giuntini acha que o trabalho de diretor de cinema é muito parecido com o de professor. “Um diretor tem que motivar e coordenar o trabalho em equipe”, explica. Segundo ele o trabalho de professor também dá a oportunidade de dialogar com jovens, que vêem o cinema de uma forma diferente. “Me surpreendo. Vejo coisas novas que sem eles não veria”.

Giuntini é um entusiasta das tecnologias digitais, foco do curso do IESB. “O digital é ótimo para o aprendizado, porque é barato e possibilita a experimentação”, defende. O diretor também acha que a troca da película pelo formato digital é um processo irreversível, apenas uma questão de tempo. “É a terceira grande mudança da história do cinema. A primeira foi a introdução do som, a segunda, das cores, e a terceira é o processo digital”, diz.

Simples Mortais

O primeiro longa-metragem do diretor brasiliense, Simples Mortais, foi captado digitalmente e exibido em película de 35 mm. Giuntini diz que o filme foi muito bem recebido em suas exibições nos festivais de Brasília e Recife. “Simples Mortais recebeu o prêmio de melhor filme em 35 mm de Brasília e os prêmios de melhor ator e melhor ator coadjuvante em Recife”, diz, orgulhoso dos aplausos que seu projeto vem recebendo. O diretor está negociando para o segundo semestre de 2008 a exibição comercial do filme.

Em um cenário nacional em que o cinema está muito voltado para os problemas sociais, Giuntini se destaca ao propor falar da classe média. “A classe média é protagonista social e a diversificação é muito importante. O foco não pode ser só ela, mas temos que falar dela também”, defende o diretor, que acrescenta ainda que essa classe social é o público de cinema no Brasil. Ainda segundo ele, existe no cinema nacional um receio, e até mesmo preconceito, de mostrar a classe média.

Giuntini diz se identificar com a cidade em que nasceu e defende que um diretor tem que primeiro encantar seu quintal para depois encantar o mundo. “Para ser universal, um filme tem que ser regional”, diz o diretor, que usa majoritariamente atores e equipe de Brasília. Segundo ele, além de seus projetos terem orçamentos baixos, a cidade conta com ótimos profissionais e usar atores menos conhecidos do público ajuda no desenvolvimento dos personagens, que não ficam ofuscados pela fama de seu interprete.

Sobre os diferentes tipos de filme que já dirigiu, explica que o objetivo de cada um é diferente e que gostou muito de fazer longa-metragem, onde pode arriscar mais. Segundo ele, curta metragem é explosão, mas longa-metragem é mais intenso. “Não faço cinema para mim, mas para me comunicar com as pessoas. O que me interessa em um filme acontece entre a tela e os espectadores”, diz Giuntini.

Projetos

O diretor brasiliense pretende fazer outros longa metragens, entre eles Plutão em Trânsito, que está em processo de captação de recursos públicos. O roteiro narra a história de um casal separado que continua morando junto tanto pelo filho adolescente quanto por razões financeiras. Segundo Giuntini, “o filme é sobre o preço das mudanças e o desgaste da acomodação”.

No entanto, Plutão em Trânsito não é o único projeto do diretor, que diz ter um filme de temática social sendo roteirizado e um antigo documentário sobre a rua da Igrejinha, na Asa Sul, que está pronto para ser filmado. Giuntini explica que cinema envolve muito dinheiro e muito risco e que alguns projetos acabam se mostrando inviáveis. “Fazemos o que conseguimos fazer”, completa.

domingo, 25 de maio de 2008

Texto e imagem

Jornalista Paulo Ramos diz que visão sobre as histórias em quadrinhos está mudando, mas que jornalismo especializado ainda passa por dificuldades


Nos últimos anos, as histórias em quadrinhos (HQs) tem passado por um processo de aceitação como meio de comunicação capaz de produzir conteúdos de qualidade e relevância artística. Em meio a este processo, está o crescente mercado de quadrinhos em livrarias e o aumento do número de pesquisas acadêmicas sobre o tema. O jornalista, professor e pesquisador Paulo Ramos é uma testemunha privilegiada desse processo.

Co-autor de "Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de Aula", publicado pela Editora Contexto, Ramos é professor de jornalismo da Universidade Metodista de São Paulo e integra o Observatório das Histórias em Quadrinhos na USP. Também é consultor de língua portuguesa da Folha de São Paulo e do UOL, onde mantém o Blog dos Quadrinhos. Na entrevista a seguir, Ramos fala sobre o mercado brasileiro de HQs, a função dos estudos acadêmicos sobre elas e como é fazer jornalismo especializado em quadrinhos no Brasil.


Você acha que a transição das HQs das bancas para as livrarias tem sido boa ou ruim para o mercado brasileiro?

Não sei se podemos rotular esse comportamento de "bom ou ruim". Ele simplesmente está acontecendo, a exemplo do que já se vê na França, por exemplo. O que se pode perceber é que as livrarias encontraram um novo nicho de mercado, o leitor adulto com maior poder aquisitivo e que efetivamente compra quadrinhos. O crescimento do setor, nos últimos anos, foi de 30%. E as editoras acompanham essa tendência.

Existe uma diferença entre o mercado brasileiro de quadrinhos e o mercado de quadrinhos brasileiros. Como você vê o momento de cada um?

Historicamente, os quadrinhos -e, conseqüentemente, seu mercado- foram vistos à margem do meio editorial. Prova disso é a quase nulidade de estudos e levantamento a respeito. Tinha-se a visão de que quadrinhos são coisa de criança e que são vendidos em banca. A ida às livrarias, nicho dominado pelos chamados "formadores de opinião", mudou um pouco essa visão. É esse o momento que vivemos hoje no país.

Na sua opinião, porque temos dificuldade de criar quadrinhos com uma identidade nacional, invés de copiar escolas estrangeiras?

Discordo. Houve uma época em que os desenhistas faziam, sim, cópias dos quadrinhos norte-americanos de super-heróis. Hoje, ainda se vê muita reprodução do estilo dos mangas [nome dado ao quadrinho japonês]. Mas se vê mais autores com estilo pessoal, muito por causa do fortalecimento do movimento independente e da abertura de espaço em algumas editoras. Nosso humor, e isso não é de hoje, tem cara própria e é um dos melhores do mundo.

Você é professor e desenvolve pesquisas sobre quadrinhos. Como a academia enxerga as HQS hoje?

A visão da academia, pelo que percebo, tem mudado. Tanto que aumentou significativamente o número de pesquisas sobre o tema. Esse comportamento é recente. Muitos desses pesquisadores dizem ter sentido um pouco de preconceito ou de inferiorização do tema abordado. Mas, aos poucos, parece estar mudando.

Por que é importante a universidade estudar quadrinhos?

Cada área encontra respostas e aprofundamento por meio dos estudos acadêmicos, desde novelas às novas pesquisas sobre células tronco. Abordar quadrinhos em pesquisas científicas ajuda a compreender o fenômeno, que existe há mais de um século. Automaticamente, esses estudos agregam autoridade ao objeto analisado, no caso os quadrinhos. É o que faltou nas últimas décadas no Brasil, muito por puro preconceito ou desconhecimento sobre a área.

O aumento do número de pesquisas também tem se traduzido em um aumento de qualidade e diversidade das mesmas?

Tenho participado de algumas bancas de mestrado e de doutorado. Neste ano, fui a duas e, neste mês, a uma terceira. Percebo nos estudos a mesma seriedade que vejo em outras pesquisas a que tenho acesso.

Apesar da maior atenção da grande mídia com o tema, o jornalismo especializado em quadrinhos ainda é insipiente no Brasil. Por que?

Acredito que seja uma conseqüência histórica de os quadrinhos terem sido colocados à margem dos fenômenos de comunicação de massa. O boom de estudos é recente, embora tenhamos pesquisas pioneiras na década de 1970. O jornalista fica à margem dos interesses da mídia, que não demonstrava tanta atenção aos quadrinhos. Muitos profissionais até se sujeitavam - e se sujeitam ainda - a trabalhar de graça, por puro amor à área. Com isso, tinham de exercer outras atividades para sobreviver. Uma hora, a pessoa cansa.

Quais são as diferenças entre o jornalismo especializado em HQs e o jornalismo em geral?

No meu entender, nenhuma. Notícia é notícia, apuração é apuração. O que deve haver, no entanto, como em tantas outras áreas, é uma especialização no assunto abordado, seja quadrinhos, seja automóveis, seja culinária, seja cinema, seja política.

Quais são as maiores dificuldades que você encontra na produção de jornalismo sobre quadrinhos?

O que vejo é que muitos dos colegas trabalham sem receber. Isso ainda é o principal impeditivo da área, somado à visão de que quadrinhos não são um assunto tão sério assim.

Você comanda o Blog dos Quadrinhos, no UOL. Qual é a importância dos blogs para o jornalismo atual?

Não creio que sejam especificamente os blogs, mas a internet em si. As principais informações sobre quadrinhos hoje na imprensa em geral estão na internet. As demais mídias informam esporadicamente e, salvo alguns casos, com notícias velhas. Para se informar bem sobre o assunto, hoje, só com a internet.

Ainda é importante um blog estar vinculado a um jornal ou revista de renome?

Na minha interpretação, sim. Porque agrega a credibilidade do veículo à página virtual. Isso amplia o número de leitores e atinge as pessoas que gostam pouco ou simplesmente desconhecem quadrinhos. Chegar a esse público ajuda a reduzir a resistência sobre o tema, inclusive jornalisticamente. É um dos desafios que enfrento diariamente no Blog dos Quadrinhos, que tem conseguido alcançar essas pessoas.

Um problema de todos

Especialista em educação rural fala sobre os avanços e dificuldades da reforma agrária brasileira


Mônica Castagna Molina é professora da Universidade de Brasília (UnB), onde coordena a licenciatura em Educação do Campo e o Grupo de Trabalho de Apoio à Reforma Agrária. Especialista em educação, coordenou também o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, entre 2004 e 2006. Em entrevista ao Jornal Na Prática, Molina, autora e co-autora de mais de uma dezena de livros, explicou as dificuldades da educação rural, a importância da reforma agrária no Brasil industrial e globalizado e defendeu uma participação maior da universidade pública nas questões sociais.


Você poderia explicar os objetivos do Grupo de Trabalho que comanda na UnB?

Os principais objetivos são fazer com que a comunidade universitária compreenda a gravidade do problema. Entenda que a questão agrária não envolve apenas os trabalhadores do campo, mas toda a sociedade. E nós, como uma universidade pública, temos o dever de participar. Também queremos produzir conhecimento, desenvolver a matriz tecnológica, sistemas de produção e hortas orgânicas para dar melhores condições de produção aos trabalhadores.

Existe uma crítica à falta de envolvimento da academia com o dia-a-dia da sociedade. Como você enxerga isso?

Os projetos de extensão são muito importantes, mas são poucos. Tem gente fazendo, mas deveria haver mais investimentos em extensão. A intenção não é ser assistencialista, mas ajudar, produzir junto com os trabalhadores.

Qual é a importância da reforma agrária no Brasil globalizado do início do século 21?

A questão agrária é um problema social que atinge quase cinco milhões de pessoas, que não têm trabalho, não têm como se sustentar. A reforma agrária é importante para acabar com o desemprego rural, criar uma fonte de geração de renda para essas famílias.

O modelo de reforma agrária implantado pelos governos brasileiros é adequado?

É preciso melhorar muito. [A solução] não é só terra. São necessárias políticas públicas de assistência tecnológica, crédito facilitado, educação e incentivo a criação de cooperativas. Políticas que possibilitem a comercialização da produção, que permitam aos trabalhadores rurais viver do seu trabalho.

A reforma agrária teve avanços no governo Lula, em comparação com governos anteriores?

Houve melhora, principalmente um maior apoio ao conhecimento. Há um crescimento nos recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária e uma maior participação do MEC nessas questões. Ainda precisa melhorar, mas está havendo uma transformação.

Em que condição se encontra a educação no campo brasileiro?

Ruim. Um dos problemas é a descontextualização da educação no campo. A educação precisa ter qualidade, mas também precisa estar contextualizada à realidade daquele lugar. Também não há formação e preparo de educadores. Um problema sério é a falta de oferta de educação. Na maior parte da zona rural não existem escolas acima da 4ª série. Não é possível cumprir a obrigação constitucional de dar ensino público e gratuito até o fim do ensino médio, porque não existem escolas.

Os problemas educacionais do campo em geral são os mesmos dos assentamentos da reforma agrária, em particular?

Sim. Os problemas de educação são muito parecidos.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Retração do mercado de discos atinge pequenos lojistas


Grandes cadeias não sofrem, mas fechamento das pequenas lojas deve continuar em ritmo acelerado

Nos últimos anos a queda na venda de CDs tem sido de cerca de 10% ao ano, segundo estimativas da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI). No Brasil não é muito diferente e, mais do que as gravadoras, isso tem afetado os pequenos e médios lojistas do ramo. A rede de discotecas 2001, que já teve 14 lojas na cidade, deve fechar seus dois últimos pontos até o final do ano. “Nos últimos cinco anos fechamos oito lojas. Só esse ano já fechamos quatro”, explica Josenei de Sousa, gerente da loja da 108 norte.

Segundo o gerente, vários fatores são responsáveis pelo declínio do mercado. A música digital, a pirataria e o preço dos CDs são os principais. “O preço de CD é uma coisa irreal, não existe. Isso contribui com a pirataria e com os downloads de internet”, defende. Ainda segundo ele, a queda nas vendas na rede 2001 chegou a quase 70% em 2007 em relação ao pico de vendas alguns anos atrás. Josenei prevê que até o fim de 2009 Brasília não tenha mais nenhuma loja que venda exclusivamente discos. “Só lojas de departamento, como a [Livraria] Cultura e a Fnac”, complementa.

De fato, estas parecem alheias à crise. Fábio Herz, diretor comercial da Livraria Cultura diz que as vendas da cadeia não têm caído. Segundo ele, em 2007 a Cultura apresentou um aumento de 23% em número de CDs vendidos. Os recém fechados números do primeiro trimestre de 2008 são ainda mais generosos: um crescimento de 52% em relação ao mesmo período do ano passado.

Herz explica a diferença entre sua loja e o mercado em geral. Segundo ele, a rede não investe em grandes lançamentos ou promoções. “A Cultura sempre esteve focada nos produtos de catálogo, temos um bom acervo de jazz, blues e música clássica”, diz. Para o diretor, ainda há espaço para os discos porque o brasileiro não tem o hábito de comprar pela internet e ainda existe o consumidor que gosta de CDs. “Outra coisa importante é o atendimento. CD é commodity, o importante é pegar o cliente pelo coração”, complementa.

Apesar da realidade conflitante, os números demonstram que a crise do mercado fonográfico é uma realidade, e Josenei de Souza atribui grande parte da culpa às gravadoras. “Elas demoraram muito pra cair na real. Se há cinco ou seis anos as gravadoras tivessem tentado baixar os preços, o mercado não teria chegado onde chegou”, defende. O gerente diz ainda que o preço médio dos CDs de cerca de R$ 30 deveria ser reduzido à metade. “Se tivesse um produto de qualidade com preço bom, as pessoas não iam correr para a pirataria”, defende.

Mas talvez o modo de consumir música esteja mudando radicalmente, independente do preço dos CDs. Josenei e Fábio Herz concordam que o público que consome discos atualmente é de alta renda e de meia idade. Existem também aqueles colecionadores, que até hoje compram discos de vinil. “O público geral consome qualquer coisa. Baixa [da internet], compra pirata, depois joga fora”, diz o gerente da 2001.

Fábio Herz diz que culpar a pirataria é simples e que ela é uma realidade em todo o mundo. Segundo ele, a Livraria Cultura não é muito afetada porque produtos piratas estão muito focados em determinados tipos de música. “Ninguém compra a 9ª Sinfonia de Beethoven pirata”, explica. Apesar disso, o diretor concorda que a forma de consumir música está mudando. Segundo dados da Associação Brasileira de Produtores de Discos, o crescimento das vendas de músicas em formato digital –como o mp3- em 2007 foi de 185% em relação a 2006, somando cerca de 8% do faturamento do mercado fonográfico brasileiro.

Provavelmente devido à chamada exclusão digital o mercado brasileiro ainda é pequeno se comparado ao mercado internacional. Segundo a IFPI, o comércio de músicas digitais já é responsável por 15% das vendas da indústria musical de todo mundo, cerca de R$ 5,1 bilhões. Ainda de acordo com as estimativas da IFPI, o “mercado” de downloads considerados ilegais pela industria musical é cerca de 20 vezes maior do que o legal.

A campeã de vendas digitais em 2007 foi a cantora canadense Avril Lavigne, cuja música “Girlfriend” vendeu 7,3 milhões de arquivos. Neste cenário, os artistas estão fazendo apostas diferentes das gravadoras e lojas de discos, que não ganham nada com os downloads ilegais. Devido à possibilidade de se tornarem mundialmente conhecidos e aumentarem seus ganhos em shows e venda de merchandising, muitos artistas não vêem os downloads chamados ilegais com maus olhos. Mais do que isso, bandas internacionais famosas, como Radiohead e REM, estão adotando a estratégia da venda direta via sites próprios.

As estratégias dos lojistas são outras. De acordo com Fábio Herz, a Livraria Cultura está estudando o que fazer no futuro, quando a mídia CD for substituída. “Talvez vender músicas digitais”, diz. Ainda segundo ele, o espaço em loja deve ser substituído por DVDs ou games. A venda em número de unidades de DVDs na Cultura cresceu 86% no primeiro trimestre desse ano, em comparação com o mesmo período do ano passado. Em relação aos games, Herz diz que estão ganhando muita força. “O público adolescente consome muito. Temos que ficar atentos às novidades”.

Já Josenei de Sousa diz que sua loja ainda aposta em encomendas e em um atendimento diferenciado, mas que a única ação especifica tem sido pressionar as gravadoras por preços menores. “Para vender alguma coisa temos que ter um bom preço. Não tem para onde correr, essa é a verdade”, explica. Mas se as pequenas lojas não tem muita perspectiva, o gerente já fez seus planos para o futuro. “Vou correr pra outro lado. Música não faz mais parte dos meus planos. Pretendo trabalhar no departamento pessoal de alguma empresa”, diz.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Independente Futebol Clube

Circuito Fora do Eixo lança portal para expandir e fortalecer a produção musical independente.


No ar desde abril, o portal Fora do Eixo se destina a abastecer produtores, bandas e jornalistas com informações e discussões sobre a produção independente em todo território nacional. Parte de um projeto maior - o Circuito Fora do Eixo - o site obedece à lógica da livre circulação de informação e é gerido por membros dos coletivos que integram o projeto. No entanto, a comunicação externa ainda é fraca.

Fundado em 2005, o Circuito Fora do Eixo é uma associação de produtoras de eventos, bandas, jornalistas e casas de shows, que procura integrar e estimular a produção musical independente principalmente nos estados que se encontram fora do alcance do eixo Rio-São Paulo. “As metas iniciais eram promover ações que estimulassem a circulação de bandas, produtores e jornalistas, bem como estimular o escoamento de produtos culturais”, explica Marielle Ramires, coordenadora de comunicação do Espaço Cubo, um dos coletivos fundadores do projeto.

Além de informar o público geral e os associados, o portal Fora do Eixo tem o objetivo de aumentar a integração dos diversos setores produtivos da industria musical independente em cada estado. Para gerenciar o site, foi criado um conselho gestor e três “núcleos”: marketing, administrativo e de produção de conteúdo, que conta com editores de Web TV, Web Rádio, Fotografia e Redação.

André Kalil, produtor executivo da Torneira Produções Independentes, única representante de Brasília no Circuito, diz que sua empresa é co-responsável pela área de marketing e redação. “Auxiliamos os grupos de edição, enviando pautas à central”, explica. A Torneira lançou recentemente a Web TV Torneira, um canal no site YouTube que, segundo Kalil, fará parte da Web TV Fora do Eixo. “Ali disponibilizaremos vídeos de nossos eventos”.

Apesar de aumentar a troca de informações entre os associados, o portal ainda não cumpre bem a função de informar a imprensa e o público consumidor de cultura. Muito fechado em si próprio, o Circuito reclama, como todos no meio independente, da falta de exposição e espaço na mídia, mas não tem um sistema eficiente de assessoria de imprensa, por exemplo.

Projeto busca novos caminhos

O Circuito Fora do Eixo funciona de forma horizontal, como uma rede de distribuição de informações e produtos, e a representação local é feita pelos associados, que desenvolvem seus próprios projetos, além de participar de iniciativas integradas do projeto. Atualmente, o Circuito tem representação em 18 estados brasileiros, entre eles todos os das regiões Norte, Centro-Oeste e Sul.

Apesar do nome, hoje o projeto também tem representação no Rio de Janeiro e em São Paulo. “Há muita gente ‘fora do eixo’ no eixo. A questão transpõe a perspectiva geográfica. ‘Fora do eixo’ revela uma condição política”, defende Marielle Ramires. Ainda segundo ela, qualquer coletivo, produtora ou núcleo de produção que se dedique à cultura independente no país pode participar.

Tornar a produção musical independente auto-sustentável é o objetivo final do Fora do Eixo, que tem um sistema próprio de gestão e moeda, os Cards. Essa moeda se insere no conceito de economia solidária defendido pelo projeto, cujo sistema de créditos é baseado na troca de serviços e produtos. “Por meio da troca de serviços e Cards, artistas, produtores e coletivos podem gerir seu trabalho de uma forma que beneficie a todos”, explica André Kalil, da Torneira Produções.

“Bandas hoje consideradas top no circuito independente nacional, como Vanguart e Macaco Bong, começaram suas carreiras trocando apresentações ao vivo por horas no estúdio de ensaio”, exemplifica Ramires, que complementa: “É bem diferente da disputa férrea estabelecida pelo grande mercado, onde quase não há diálogo entre concorrentes”.

Apesar do discurso oficial conter termos como “características socializantes”, “coletivização dos meios de produção” e “alijados pela lógica do grande capital”, o projeto também tem seu lado pragmático. André Kalil diz que estar integrado ao Circuito aumenta a projeção, divulgação e espaço de atuação de sua produtora. Ainda de acordo com ele, é importante Brasília estar representada no Fora do Eixo, pois isso abre espaço para que as bandas locais se apresentem em outros estados, chamando a atenção da mídia independente. “Além disso, o resto do Circuito está de olho no DF”, diz.

Entre outras iniciativas, o Circuito organiza anualmente o Festival Fora do Eixo e o Grito Rock, que este ano aconteceu simultaneamente em quase 50 cidades brasileiras, além das edições estrangeiras em Montevidéu e Buenos Aires. Já o Festival Fora do Eixo acontece anualmente em São Paulo, mostrando para a mídia e público paulista as bandas de outras regiões do país.

“Em Brasília o balanço ainda é fraco, mas a nível nacional o Grito [Rock] é muito articulado e forte, contanto com patrocínio de grandes empresas”, explica Kalil. Marielle Ramires também avalia de forma positiva as conquistas do Circuito. “Cada vez há mais agentes produtivos se integrando e investindo força de trabalho na ampliação desta rede”, diz ela.

domingo, 27 de abril de 2008

Metrô de Brasília tem cinco novas estações



Especialista adverte que só integração com outros meios de transporte garante trânsito melhor

Em comemoração aos 48 anos de Brasília, foram inauguradas este mês cinco novas estações do metrô. A abertura de quatro paradas em Ceilândia e uma na Asa Sul aumenta para 21 o número de estações do metrô em funcionamento. Com isso, o Governo do Distrito Federal (GDF) estima que até 2010 o sistema atenda cerca de 300 mil passageiros por dia, o que deve ajudar a desafogar o trânsito de automóveis na região central da capital.

As estações da 108 Sul, Guariroba, Ceilândia Centro, Ceilândia Norte e Terminal Ceilândia se somam às 16 estações já abertas, ampliando a utilização de um meio de transporte conhecido por reduzir congestionamentos, emissões de gases poluentes e poluição sonora. O Metrô-DF destaca também a rapidez, pontualidade, segurança e limpeza do sistema. De acordo com a assessoria do órgão, com esse conforto a população pode deixar seus carros em casa, sem abrir mão de viajar com qualidade.

As estações de metrô da Asa Sul também funcionam como passagens de pedestres, ligando os eixos L e W e evitando que os pedestres atravessem o Eixão. Segundo Paulo Cesar Marques da Silva, doutor em Engenharia de Transportes e professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília, as novas estações também facilitam a integração com o sistema de ônibus, aumentam o fluxo de pessoas na área e valorizam os imóveis da região.

Apesar das vantagens, a população ainda está insatisfeita. Rafael de Carvalho Silva, morador de Ceilândia Norte, diz que não usa o metrô porque trabalha na Asa Norte. “O metrô não chega nem perto de onde trabalho. É mais fácil e mais barato pegar o ônibus mesmo”, explica. Paulo Cesar diz que a maior parte da população do DF mora ao sul da cidade, no triângulo que se forma entre o Plano Piloto, Ceilândia e Gama. “A circulação de pessoas e a demanda por transporte no lado norte é bem menor. É também uma questão econômica”, acrescenta.

Allana Oliveira Amorim, moradora de Águas Claras, pega o metrô todos os dias para trabalhar. Segundo ela, a principal vantagem é fugir do trânsito. “É muito mais rápido e me causa menos stress”, diz. Allana acrescenta ainda que o sistema de metrô é satisfatório para ela, mas não para a maioria das pessoas. “Meu marido não pega o metrô porque não existe estação perto do trabalho dele”. Outra reclamação de parte da população é a distância entre as estações. “São poucas e a distância entre elas é muito grande. É sempre preciso pegar o metrô mais um ou dois ônibus para chegar em algum lugar”, diz Rafael.

Paulo Cesar concorda e explica que a organização pouco densa do DF é a principal razão dessa distância. “Muitas estações seriam pouco úteis devido à baixa densidade populacional. Por isso é tão importante a integração do metrô com ônibus, microônibus, carros e táxis”. O professor destaca ainda que um número maior de estações aumenta a duração da viagem. “É uma questão de equacionar o benefício de atender mais pessoas contra o aumento do tempo de deslocamento”.

A integração dos sistemas de transporte do Distrito Federal é prometida há anos, mas até hoje não saiu do papel. O Metrô-DF garante que as estações já estão equipadas para atender ao novo sistema de bilhetagem automática do DF, parte do programa Brasília Integrada. No entanto, o órgão acrescenta que a implantação da integração é de responsabilidade da Secretaria de Transportes. O metrô também será integrado com o chamado metrô leve, de superfície, que será instalado na W3 Sul.

O professor Paulo Cesar defende que também é importante um aumento do transporte não motorizado, realizado a pé ou de bicicleta. “Mas as pessoas têm dificuldade de caminhar em Brasília. Faltam calçadas, por exemplo”, reclama. Para ele, é preciso melhorar o acesso aos pontos de ônibus e estações de metrô para estimular as pessoas a caminhar.

O GDF planeja continuar expandindo o metrô nos próximos anos. As obras das estações 102 e 112 Sul e Guará já foram autorizadas pelo governador José Roberto Arruda. Além da abertura dessas estações já previstas, a linha também será estendida. Samambaia ganhará mais 3 km de linha e duas estações, e a primeira etapa da expansão da Asa Norte será uma estação na altura do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), prevista para 2010. A moradora de Águas Claras, Allana Amorim, apóia a inauguração de novas estações, mas diz que a velocidade dos trens, que para ela já é baixa, teria que aumentar. “Senão não ia valer a pena”.

domingo, 23 de março de 2008

Urbanização incompleta na Asa Norte



Carência de mobiliário e equipamentos urbanos em quadras do bairro prejudica moradores.


Apesar do alto padrão de vida no Plano Piloto, várias superquadras da Asa Norte se encontram em situação precária, com a urbanização ainda incompleta. É comum andar por quadras construídas recentemente e se deparar com a falta de grama, árvores, calçadas, lixeiras, orelhões e outros equipamentos urbanos, o que prejudica moradores e pedestres. A falta de planejamento e articulação entre os órgãos governamentais faz com que a solução ainda permaneça distante.

Em seu projeto para Brasília, Lúcio Costa propôs um novo modelo para a criação e utilização dos espaços públicos. Com prédios suspensos em pilotis e altura máxima de seis pavimentos, o projeto das superquadras tem a intenção de estimular a livre circulação de pessoas aumentando o convívio entre os moradores e criando maior integração da comunidade. Por isso, além dos jardins e calçadas, estão previstos nos projetos urbanísticos quadras poliesportivas, parques infantis, escolas e bancas de jornal. Nas entrequadras deveriam ser construídos clubes, igrejas e cinemas.

“A idéia era proporcionar à população das superquadras acesso rápido a serviços e comércio sem precisar se deslocar pela cidade”, diz Maurício Goulart, Gerente de Desenvolvimento da Área Central da Subsecretaria de Planejamento Urbano do Governo do Distrito Federal (GDF). “A implantação do projeto faria com que a comunidade freqüentasse mais as áreas de uso comum, o que também aumentaria a sensação de segurança dos moradores”.

Esse projeto só foi implantado em sua totalidade nas primeiras superquadras de Brasília, mas a situação é critica naquelas construídas nos últimos anos. Áreas que pertenciam à UnB, como a 109, 110, 213 e 214 têm grande carência de mobiliário e equipamentos urbanos. Árvores, calcadas e lixeiras raramente são vistas, enquanto a iluminação cobre as pistas, mas os locais de circulação de pedestres ficam no escuro. Nenhuma das quadras tem banca de jornal, e as faixas de pedestres, passarelas subterrâneas e pontos de ônibus ficam ilhados por mato, terra e, com alguma sorte, grama.

A Administração Regional de Brasília alega que está realizando um trabalho de recuperação e construção de calçadas em todas as quadras do Plano Piloto. “O governo quer melhorar a cidade e trazer qualidade de vida para os moradores. Por isso, a Administração tem trabalhado constantemente para trazer benfeitorias”, afirma o Administrador de Brasília, Ricardo Pires. Ainda segundo a Administração, em 2007 foram construídos e recuperados mais de dois mil m² de calçadas na cidade.

Segundo Vera Lúcia Ramos, que ocupava o cargo de Diretora de Urbanismo e Projetos na Administração de Brasília até a semana passada, a urbanização das superquadras era feita automaticamente, assim que os primeiros prédios residenciais começavam a ser construídos, mas isso começou a mudar há cerca de 20 anos. “A desculpa é sempre falta de verbas”, diz a ex-diretora, que também culpa a falta de planejamento, comunicação e articulação entre os órgãos do governo. “Os projetos urbanísticos das superquadras estão todos aprovados e o governo pode implementar a infra-estrutura quando quiser, mesmo antes ou durante a construção dos edifícios”, acrescenta ainda.

Maurício Goulart diz que atualmente, “a conclusão das superquadras do Plano Piloto é muito mais interessante para a iniciativa privada, diferentemente do passado, quando o governo investia como forma de estimular a efetiva ocupação da nova capital”. Apesar disso, áreas antigas como a 210 e 211 até hoje não têm o chamado emolduramento, com as calçadas largas e faixa arborizada demarcando os limites da quadra em seus quatro lados. A 309, conhecida pelo bom comércio e alto poder aquisitivo de seus moradores, nem sequer tem espaço para tal implantação.

Mauricio Goulart diz ainda que é impossível prever quando a urbanização dessas quadras será completada. “A implantação dos equipamentos de uso da comunidade tende a ser cada vez mais lenta, seja pela baixa demanda da população por escolas públicas, por exemplo, seja pela perda de capacidade de investimento em obras por parte do governo”. Segundo ele, o importante é que a conclusão se dê de acordo com o plano de Lúcio Costa.

Entretanto, outras questões colaboram para a situação. Vera Lúcia explica que o processo de licitação para a compra de grama, mudas, e outros materiais é lento e engessa o trabalho da Novacap, o órgão responsável pela implantação de infra-estrutura nas superquadras. “O local de destinação de cada metro quadrado da grama comprada é definido no contrato e não pode ser alterado”, diz. “Além disso, os moradores das quadras construídas recentemente mostram resistência ao plantio de árvores que fazem sombra, por exemplo. Eles não querem que elas escondam a fachada dos prédios”.

Especificamente sobre a situação da 214, onde reside, Vera Lúcia disse que a quadra já está completa, com todos os prédios construídos, mas só recentemente foram plantadas mudas de árvores. “A calçada externa só está saindo do papel por que os síndicos dos blocos fizeram um acordo com a Administração Regional e estão pagando pela mão de obra”, disse a ex-diretora. Coincidentemente ou não, a 214 é a única das quadras citadas que conta com uma prefeitura comunitária.

Mauricio Goulart explica que a população reclama muito do abandono das áreas públicas e dos equipamentos esportivos, mas não se importa com a ausência de escolas públicas ou da faixa verde, provavelmente por desinformação. Vera Lúcia acredita que essa situação fere o tombamento da cidade, pois descaracteriza o Conjunto Urbanístico e Paisagístico de Brasília. Segundo ela, os moradores com reclamações e sugestões devem sempre se dirigir à Administração Regional. Já Mauricio Goulart sugere que se procure a Ouvidoria do GDF, que encaminha as reclamações aos órgãos encarregados.

Serviço:
A população pode entrar em contato com a Administração de Brasília pelo telefone 33275130, ou levar suas reivindicações por escrito ao Setor Bancário Norte, quadra 2, Bloco K. Já a Ouvidoria do GDF pode ser contactada pelo site www.df.gov.br, ou pelo telefone 156.

domingo, 16 de março de 2008

O dilema dos embriões

Julgamento sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas divide até mesmo os cientistas

O julgamento da ação contra pesquisas com células-tronco embrionárias humanas no Supremo Tribunal Federal (STF), que aconteceria na última quarta-feira, foi adiado. O ministro católico Carlos Alberto Menezes Direito pediu vista do processo, adiando por tempo indeterminado o julgamento, que tramita no tribunal desde 2005. Ellen Gracie, presidente do STF, lembrou que a demora na decisão desestimula as pesquisas na área. Em meio à briga entre religiosos e cientistas, estão a população e as próprias pesquisas.

Professora do Departamento de Serviço Social da UnB e especialista em bioética, Débora Diniz diz que o adiamento não atrapalha muito, uma vez que as pesquisas continuam sendo realizadas enquanto o julgamento não acontece. No entanto, acrescentou que os cientistas brasileiros fazem acordos com instituições e patrocinadores do exterior e eles não querem investir em algo que pode mudar amanhã.

Lenise Garcia, professora especialista em microbiologia do Departamento de Biologia Celular da UnB, também acha que a medida protelatória do ministro não atrapalha as pesquisas. “O Brasil está querendo entrar em um campo de pesquisa do qual os outros países estão saindo”, diz Lenise. A professora se refere às pesquisas com as chamadas células pluripotentes induzidas, células-tronco adultas, cuja pesquisa internacional avançou nos últimos meses.

“Essas células podem ser retiradas do próprio paciente, o que evita problemas como a rejeição pelo organismo”, explica a professora, que diz ainda que até hoje não foram realizados testes em humanos com células-tronco embrionárias por estas serem potenciais geradoras de câncer, problema inexistente no caso das células pluripotentes induzidas. Mas sua colega discorda e explica que ciência é feita de hipóteses, que após testadas se transformam em resultados. “Estão confundindo hipóteses com resultados. Não é possível dizer antes da realização de testes quais são os resultados das pesquisas”.

A defesa das pesquisas com células-tronco adultas é comum entre cientistas ligados à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e vem sendo adotada desde a audiência pública realizada ano passado no STF. Na mesma ocasião, a maioria dos cientistas defendeu que o potencial das pesquisas com células-tronco embrionárias é maior do que com as adultas.

As discordâncias não se restringem ao potencial cancerígeno das células-tronco embrionárias. Lenise defende que a utilização de embriões humanos para pesquisas não é eticamente adequada. “Realizar essas pesquisas é interromper o desenvolvimento de um ser humano, e abrir mão de direitos de toda espécie humana”. Diniz discorda e defende as pesquisas com embriões humanos. “A discussão sobre o início da vida é apenas uma armadilha, pois a Lei de Biossegurança restringe a pesquisa a embriões sem potencialidade de vida”.

Diniz se refere ao artigo 5º da lei, que restringe o material das pesquisas apenas a embriões remanescentes de tratamentos para fertilidade. De acordo com o artigo, só podem ser utilizados em pesquisas embriões cedidos pelos “pais” e que tenham sido considerados inviáveis ou maus candidatos a uma gravidez, por estarem congelados há mais de três anos. No entanto, Lenise Garcia discorda da lei. “É só olhar o caso do menino Vinicius que nasceu após 8 anos congelado. É o recorde brasileiro, o mundial é de uma americaninha nasceu após 13 anos de congelamento”.

Em meio à discussão, o STF tenta se manter distante das considerações religiosas. A função do tribunal é julgar a constitucionalidade das matérias e segundo Débora Diniz isso vem acontecendo. “A ação contra as pesquisas foi fundamentada na constituição e o voto da maioria dos ministros indica que não há problemas legais nas pesquisas, que elas são legitimas”, explica.

O que a maioria dos especialistas concorda é que tratamentos médicos resultantes dessas pesquisas ainda estão distantes. A professora Lenise Garcia vai além e diz que as pesquisas com células embrionárias talvez nunca resultem em tratamentos de terapia celular. “O foco agora são as células pluripotentes induzidas, cuja pesquisa avançou mais nos últimos meses do que as pesquisas com células embrionárias avançaram nos últimos 20 anos”, defende a especialista.